sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Um portfólio para Deus e o mundo.

O sujeito ganhou um prêmio de propaganda que ninguém conhece e resolveu pedir um aumento no salário.

– Não rola – respondeu o chefe.
– Mas eu ganhei um prêmio!
– Parabéns.

Nada feito. A agência acabara de perder clientes, inclusive o do anúncio premiado. Não era hora de aumentar o salário de ninguém.

O rapaz ficou chateado. Doído na alma. Assim que surgisse outro trabalho, pediria demissão. E enviou seu portfólio a Deus e o mundo. Separou peças, mandou por e-mail, agendou entrevistas.

O mundo não deu a mínima. Já o Todo Poderoso...

À noite, ouviu baterem à sua porta.

– Quem é?
– Sou Eu.
– Eu quem?
– Seu Pai.
– Papai? Mas que vozeirão é esse?

E o Criador viu que era bom não exigir muito da perspicácia da criatura. Num estalo, tomou forma no interior da casa do sujeito.

– Meu Deus do Céu!
– Eu mesmo.
– Mas a que devo a honra?
– Eu é que pergunto. Você não me enviou seu portfólio?
– Foi! Mandei para o Senhor e para o mundo.
– Então. Vim ver se Eu posso ajudar. O que você procura, meu Filho?
– Bem, eu quero trabalhar em uma grande agência que respeite o meu talento criativo.
– Sei.
– E que aumente o meu salário com mais frequência.
– De quanto em quanto tempo?
– Reajustes trimestrais já são suficientes.
– Entendo.
– E que nessa agência ninguém brigue para entrar na ficha técnica. E que eu só precise trabalhar até tarde uma vez por mês e nunca me sinta sob pressão e que ninguém, mas ninguém mesmo, questione o que eu criar. Acho que é só isso.
– E você não quer também a Marjorie Estiano e a Paola Oliveira de estagiárias da criação? As duas apaixonadas por você?
– Pode ser.

O Criador soltou uma gargalhada que fez o sol nascer às onze e meia da noite.

– Meu filho, ouça bem uma coisa. Esse seu portfólio não ajuda.
– Como assim, Senhor?
– Com essas peças que você tem aí, é mais fácil contratarem uma máquina copiadora.
– Mas eu ganhei um prêmio!
– Parabéns. Você chupou direitinho o trabalho dos outros. Mas é um criativo medíocre. Vou lhe dar um conselho: mude de área. Já tentou o departamento comercial?

Inconsolável, o criativo caiu no choro e comoveu o Criador. E em sua infinita bondade, Ele resolveu conceder-lhe um milagre.

– Meu filho, se você esquecer esse negócio de mudar de agência, pode fazer qualquer outro pedido e eu lhe darei.
– De verdade?
– Claro. Pode pedir.
– Já sei! Será que o Senhor pode fazer o pessoal do atendimento escrever um briefing de meia página sem cinquenta erros de português?

O Todo Poderoso pensou alguns instantes e respondeu:

– Meu filho, sabe essa grande agência em que você gostaria de trabalhar?
– Sei.
– Você pode começar quando?

A outra.

O detetive particular esperava um novo cliente havia mais de nove meses. Esperou, esperou e nada. Após anos de experiência e sucesso na área, não era justo o que a vida e o mercado lhe faziam. Até que, com uma pequena ajuda dos amigos, se convenceu a tentar outra profissão. Alguém lhe deu de presente um livro do Julio Ribeiro, ele acreditou no que leu e decidiu fazer acontecer: estava pronto para trocar a investigação particular pela propaganda. Com os contatos que havia feito durante as perseguições a maridos adúlteros, fraudadores de seguro, cachorros desaparecidos e em tantas outras tarefas ingratas, teria boas chances na área de prospecção de uma agência de publicidade. Era certo que ia fazer o maior sucesso.

Mas aí – para estender um pouco esta história porque o texto ainda está longe dos dois mil e novecentos caracteres que o editor pediu – uma visita inesperada, cheirosa, de porte garboso e cabelos tingidos de loiro bateu em sua porta e o obrigou a repensar o assunto.

- Detetive, eu preciso falar com o senhor.
- Pois não?
- Eu tenho um problema muito sério.
- E o que posso fazer pela senhora?
- Eu acho que estou sendo... sendo...
- Trocada por outra?
- Isso!
- E quais motivos a levaram a tal suspeita?
- Vários! Ele está diferente comigo, detetive. Seu comportamento mudou completamente nos últimos dias.
- Continue.
- Não atende mais às minhas ligações no escritório.
- Huuunn...
- E já não me procura como antes.
- Pode ser um sintoma. Prossiga.
- No começo, ele gostava de tudo o que eu fazia. Vivia me elogiando.
- E agora...
- Agora tudo está sempre ruim para ele. Nada mais o agrada. Já não sei o que fazer para deixá-lo contente.
- Sei.
- Já tentei presentes. Jantares. Ingressos para teatro!
- E nada?
- Nada! Continua estranho comigo. Só sabe reclamar de tudo.
- Posso fazer uma pergunta... indiscreta?
- Vai em frente.
- Na empresa em que ele trabalha há muitas mulheres mais jovens?
- Usssshhh! Um caminhão! No mínimo cinquenta estagiárias!
- E ele ocupa uma posição de destaque na companhia?
- É o diretor de marketing.
- Só podia. Diretores de marketing são as presas mais fáceis para toda sorte de parasitas, marimbondos, diarreias e periguetes. Posso perguntar o que a senhora faz da vida?
- Sou publicitária.
- Ganha bem?
- Não posso reclamar. Sou dona de uma agência de propaganda.
- Estou perguntando isso porque, a senhora sabe, meus serviços não costumam ser baratos.
- Dinheiro não é problema.
- Então, está certo. Eu posso investigar o seu caso. E se realmente o seu marido estiver saindo com outra, eu vou descobrir.
- Como é? O senhor disse “meu marido”?
- É. Não quer saber se o seu marido está trocando a senhora por outra mulher?
- Não! “Ele” não é meu marido. Estou falando do meu cliente! Quero saber se ele está me trocando por outra agência!
- ...
- E então, detetive? Vai ou não me ajudar nesse caso?
- Sim, mas... a senhora tá pegando currículo?