terça-feira, 11 de outubro de 2011

Salve um anúncio sem pé nem cabeça.

Ilustração: João Pedro Sadocco Gomes

Oi. Eu sou um anúncio sem pé nem cabeça. Nasci do encontro de um aspirante a diretor de arte com um redator que não sabe escrever. À primeira vista, pareço uma idéia genial. Meus pais tentaram me clonar de um anúncio publicado em um anuário de criação. Tenho um título, um texto, uma foto e a logomarca de um cliente. Mas tudo isso de nada vale. Eu não tenho pé nem cabeça.

Como toda propaganda portadora dessa anomalia congênita, fui condenado a uma vida de danação. Meus elementos não se combinam. Meu título engraçadinho não concorda com o texto, que por sua vez é mal escrito e não tem a menor graça. Já a imagem que me ilustra vem de um banco de fotos free e já foi utilizada em milhões de outros anúncios iguais a mim.

Sou a cara mal feita e pretensiosa dos meus pais. E nem de longe me pareço com o cliente que me encomendou.

Ah! Além da dupla ordinária que me trouxe ao mundo, tenho também uma madrinha, a Silvia do atendimento, que encheu de palpites cretinos a cabeça de meus criadores na hora da concepção.

Aliás, desafio você a conceber uma mínima fração do sofrimento a que somos submetidos desde o berço. Nós, os anúncios sem pé nem cabeça, somos a raça mais bandalha e maltratada da história da propaganda.

Não, estagiários obrigados a fingir que admiram seus diretores de criação! Não, criativos enganados que esperam há anos em vão por um aumento em seu salário miserável, enquanto assistem à alegria de seus patrões trocando de carro. Não! Vocês não sabem o que é sofrimento!

Após um parto atribulado, em meio a fumaça de cigarro, falatório, torpedos de cuspe e peidos estalados, já nascemos sob insultos dos nossos próprios pais:

– Do caralho! Do caralho!

Em seguida, caímos nas mãos do atendimento. Sempre insatisfeito, esse verdadeiro algoz dos anúncios sem pé nem cabeça quase sempre nos arranca um braço e enfia no lugar um rabo de veado-mateiro.

– Agora está bom.

Depois, o cadafalso. Seguimos para a apresentação ao cliente.

Após uma longa sessão de tortura, rechaçados, humilhados, pisoteados e espezinhados por gerentes de marketing com o cérebro do tamanho de uma azeitona, somos submetidos aos piores tipos de sevícias pelas garras dos ácaros carnívoros no interior escuro dos portfólios de nossos pais.

E o sofrimento não acaba aí. De tempos em tempos, somos levados por nossos próprios criadores para divertir atarefados diretores de criação. Suas gargalhadas nos enchem o papel de manchas. Depois voltamos cabisbaixos à reclusão escura do cemitério de layouts.

Assim segue a existência de um anúncio sem pé nem cabeça. Até que a morte o rasgue definitivamente em mil pedaços ou o utilize para forrar uma gaiola de passarinho.

Mas o pior vem agora. A cada dia, centenas de milhares de anúncios com esse mesmo problema vêm ao mundo para sofrer. Frutos da asneira de imitadores, vagabundos, canalhas e embusteiros que têm a coragem de se autoproclamar “criativos”.

Para acabar com esse mal, a sua ajuda é muito importante. Por favor, incentive a concepção responsável e a boa propaganda. Não seja o pai, a mãe ou um dos padrinhos de um anúncio sem pé nem cabeça.